sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Acho que acostumei o mundo muito mal...

Maldita hora em que fui me deixar seduzir pelo primeiro elogio. Não sei quando aconteceu, mas garanto que ainda criança, não resisti à deliciosa sensação de sentir aquele sorriso surgir do canto da boca, enquanto você, olhando o mundo de cima, diz a si mesmo: "Eu sou o CARA!". Achei-a tão deliciosa, que ainda sem querer, programei toda a minha existência para sentí-la mais e mais vezes... pobre de mim.

E assim foi. Bastou o primeiro tapinha nas costas pra iniciar minha corrida: orador na formatura de alfabetização, campeão de xadrez aos 10, melhor dicção, melhor redação, melhores notas, melhor postura... tudo eu fazia, mesmo sem saber, pra poder provar mais uma vez aquele gostinho (e sorrir com o canto da boca).

É gostoso ser referência. Muitos te respeitam, alguns te invejam e você se adora... é a glória... O que ninguém nunca tinha me falado era o quanto isso custava. A sociedade alimenta o ego com os manjares mais deliciosos, sem reclamar, mas cobra caro. Depois que ele já está bem gordo e inflado, você recebe inesperadamente a fatura com o preço, impagável por qualquer humano: perfeição 24 horas. E o pior de tudo é que não há como sair inadimplente.

Após contrair a dívida, esqueça os padrões normais. Qualquer coisa que se faça que esteja abaixo do melhor possível, não serve. O 9,9 é inaceitável. Enquanto as pessoas comuns precisam apenas de alguma moral, você precisa de santidade... e por aí vai.. ser o melhor e estar acima sempre, não tem fim... a vida vai cobrando a sua dívida.

Foi assim comigo. Quando percebi, as prolongadas sessões de massagem pro meu ego tinham custado caro. E a sociedade começou a cobrar cada centavo, do seu jeito. O que pra todos era corriqueiro, como
um palavrão ou um copo de cerveja, pra mim era inaceitável. Até que um dia, acabou. Não havia mais perfeição a oferecer. Não tinha como pagar a dívida. Descobri-me de carne, osso e desejo, não havia como ser diferente. Fui executado e pra saldar meus débitos, a sociedade levou em pagamento a minha reputação.

Acho que acostumei o mundo muito mal. O que minha infância e adolescência precisavam era de fraturas e notas vermelhas. Eu queria ter ganhado era advertências ao invés de prêmios de bom aluno. Pra que serve um prêmio desses, a não ser pra criar nos outros a expectativa (leia-se obrigação) de repetir o feito?! Não é assim com a advertência: ganha-se uma no início do currículo e a única obrigação que se tem é de, no máximo, manter um comportamento razoável.

Devia era ter dado mais trabalho pra minha mãe, quebrado o braço, matado aula, destruído brinquedos e beliscado o bumbum da menina da 4ª série. Nada disso teria me feito um homem melhor (nem pior), mas pelo menos não faria parecer que sou tão ruim hoje.

A sociedade é uma criança gorda, chata, mimada e sem limites. Porém, cansei de me matar pra fazer suas vontades, só pra receber em troca o sorriso do seu rostinho angelical. Não a culpo totalmente pela minha dívida, porque na verdade, quem queria alimentar o ego era eu e ninguém me obrigou a isso. Vaidoso, orgulhoso, prepotente e perfeccionista que sou, sempre o adorei e o bajulei, mas agora ele vai ter de se conformar.


Cansei de mimar essa criança chorona e exigente. Seu sorriso realmente é lindo e envolvente, mas como sempre, há outras coisas mais interessantes a se desejar. Caetera desiderantur.

4 comentários:

  1. Concordo plenamente em todos os pontos passados, porém gostaria de ressalvar que temos, sim, possibilidade de deliberar uma condição de vida mais favorável sem ter os apontamentos grotescos que a sociedade impõe. Não gosto muito de dizer que era ou sou um exemplo de intelectualidade, seria veemente capcioso, mas, tornar-se um ser sem limites para o ego é o problema. Metaforicamente, a vida nos proporciona o pagamento em parcelas dessa dívida pela ganância à soberba.
    Tudo bem, mas como assim?
    Um rei nunca perde a majestade. O intelecto também nunca perde sua cultura. Poderemos sempre nos persuadir à um ser que não seja inerente a uma vida boêmia. Contudo, sempre teremos nossa capacidade culta intacta. Voltando ao início do parágrafo, o senso crítico e a compostura do intelecto são basicamente como andar de bicicleta. Se é necessária a mudança no estilo de viver, que mude mas sem perder a elegância no qual sempre fora tratado.

    Um abraço de seu amigo Hermes.

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  2. Eu subscrevo suas palavras, Hermes. Não proponho substituir uma vida que agrade a sociedade a troco de bajulações, por uma que só é satisfação do ego. Em meu ponto de vista, como deixo claro no texto, viver dessa forma já é viver para o ego.

    Acho que dá pra ser melhor.

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  3. Que texto Fábio!
    E nem sei direito o que dizer, mas acho que entendo tudo o que você quis dizer aqui.
    A verdade é que exigem demais da gente ás vezes.
    E ser perfeito, ninguém pode.
    E eu acredito em você, porque eu posso n estar presente sempre, mas eu sempre gostei de você demais. Viu?

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